
Um trecho do Projeto de Lei 5.582/2025, que estabelece novas regras para o combate ao crime organizado, gerou forte debate político e jurídico nesta terça-feira (11). O texto prevê que, em casos com repercussão interestadual ou transnacional, a Polícia Federal só poderá atuar mediante provocação do governador do Estado, com autorização do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O relator do projeto é o secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, que se licenciou do cargo para assumir a função na Câmara dos Deputados. A proposta está em pauta na Casa e tem sido vista como um ponto de atrito entre o governo federal e a oposição.
Para especialistas, o dispositivo representa um retrocesso na cooperação entre as forças policiais. O professor de direito da UFRGS, Rodrigo Azevedo, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que a exigência de autorização prévia cria entraves desnecessários para a atuação da Polícia Federal.
“Esse parágrafo cria uma dificuldade, um entrave, tanto que essa atuação da PF vai depender de uma provocação do governador. O texto é genérico e não garante segurança jurídica sobre quando isso se aplicaria”, afirmou. Segundo ele, o dispositivo contraria a lógica da PEC da Segurança, enviada pelo governo federal, que busca integrar as forças de segurança, e não restringi-las.
Por outro lado, o presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Rodolfo Laterza, defende que a proposta não enfraquece a PF, mas fortalece a cooperação entre esferas estadual e federal. “Evita sobreposição de investigações e retrabalhos. O dispositivo reforça a coordenação entre as forças policiais”, destacou.
A repercussão também chegou ao Congresso. O líder do PT na Câmara, Lindberg Farias (PT-RJ), criticou o texto e afirmou que ele limita o poder investigativo da Polícia Federal, o que poderia inviabilizar operações como a Carbono Oculto, voltada ao combate à lavagem de dinheiro do crime organizado. “Em vez de fortalecer o combate ao crime, o relator faz o oposto: tira poder da PF e protege redes de lavagem”, afirmou o deputado.
Lindberg também apontou que o projeto fere o artigo 144 da Constituição, que garante à PF a competência para investigar crimes com repercussão interestadual ou internacional.
A Agência Brasil procurou o deputado Derrite, que ainda não se pronunciou oficialmente. Em publicações nas redes sociais, ele defendeu que o projeto é uma “resposta efetiva à impunidade” e que o texto visa fortalecer o enfrentamento às organizações criminosas.
A designação de Derrite como relator do PL — ele é aliado do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) — também gerou desconforto político. Integrantes da base do governo federal classificaram a escolha como uma “provocação” do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Motta, porém, negou qualquer motivação política. “Quando o tema é segurança, não há direita nem esquerda, há apenas o dever de proteger”, declarou. O deputado também afirmou que o texto “preserva os avanços do projeto do governo federal” e combina “o melhor das propostas debatidas dentro do Congresso”.
O PL 5.582/2025 segue em tramitação e deve ser analisado pelas comissões antes de ir a votação no plenário. O debate em torno da autonomia da Polícia Federal promete se tornar um dos principais embates entre governo e oposição nos próximos meses.